domingo, 27 de junho de 2010

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Depois de infelizmente terminada a interminável leitura do livro "A rapariga que roubava livros", infelizmente sim, porque este livro era um grande companheiro, posso-vos dizer seguramente, que hoje as palavras ganharam um novo significado e a minha intenção de as compreender melhor. De facto, uma imagem nunca vale mais que mil palavras, porque cada uma destas traz consigo uma infinidade de possibilidades e projectos que cada um, faz o favor de dar vida. Não quero com isto dizer, que as imagens não têm nenhuma importância, antes pelo contrário e nem a mim me ficaria bem dizer isso, simplesmente nem umas nem outras existem para se substituir mas sim para se/e nos completar de uma forma que muitas vezes não conseguimos entender ou mesmo reconhecer, talvez porque nos faça ver as inúmeras vezes que impertinentemente lhes damos uso e forma.
Espertinha eu...!!! Convenientemente, já me estou a desculpar antes de começar por vos contar um pouco mais sobre esta terra avermelhada de chapas e machibombos. Os machibombos, que ontem tive a oportunidade de experimentar, são semelhantes aos nossos autocarros só com uma pequena diferença, é que aqui os acessos não são propriamente acessíveis e portanto uma viagem de 15 km demora aproximadamente uma hora e meia, duas se houver trânsito. No porto isso ter-me-ia incomodado muitíssimo mas aqui, antes pelo contrário, tive a oportunidade de ser calmamente apresentada a um cenário que apesar do lixo ser elemento constante, acaba por quase passar despercebido pois as pessoas com as suas mercadorias diárias, os cheiros, as cores, os padrões, os blocos de cimento, os prédios que transparecem uma ausência ou possível falha no que respeita o planeamento urbanístico, as galinhas, as crianças a correr por todo o lado, a areia, a publicidade, a estética peculiar, todos estes têm o seu lugar e especialmente o seu encanto o que torna impossível não lhes repararmos. Depois existem também os chapas, que são transportes mais rápidos e mais pequenos mas que igualmente acrescentam algo mais a toda esta envolvência, levam-nos seja através do índico ou xiquelene(mercado), ou mesmo por ulene(onde está a grande lixeira) e nos deixam onde queremos ir. Através destes transportes conheci um pouco de moçambique mas ainda com tanto por conhecer.
A nível de trabalho, tendo bem presente que há sempre muito a fazer e que tudo isso implica tempo e muita paciência, que tudo isto é um grande desafio, que muitas vezes me assusta e no qual estou sempre aprender, e acreditem que aprendo muito mais do que aquilo que transmito. Experiência essa, que tive na sexta passada quando fui com a paz e a irmã raquel á casa da alegria das irmãs da caridade, e que se de alegria vivia, também se assistia a cenários extremamente tristes dos quais confesso me doeram bastante e de ainda ser difícil recordar. Tenho estado a ajudar a Ercília que é uma menina um pouco triste mas cheia de potencialidades, que embora esteja no 5º ano não sabe ler nem escrever. Tenho dado algum apoio, ás quintas nas explicações da turma da paz, que neste dia vai dar apoio á cadeia, e na informática á mana Ana uma das monitoras da alfabetização do centro. Estou também acompanhar juntamente com a mana Ângela, que se está a preparar para ser freira, um grupo de adolescentes entre os 8 e os 14 anos, com os quais se vai fazer um festival de dança, teatro, canto e debates. Esta semana estive a dar alguma formação no campo artístico aos monitores do centro, que se baseou em dar algumas noções no campo da expressão. Tiveram de fazer um desenho de como se viam juntamente com uma apresentação oral perante o resto da turma, tiveram de desenhar também o seu dia-a-dia, assistimos ao filme "ratatouille", jogou-se um jogo em que as equipas tinham de adivinhar palavras através de mímica ou do desenho, fizeram também em equipa, um cartaz no âmbito dos 35 anos da indepêndencia de moçambique que se festejou ontem, com toda a alma. Garanto-vos que o resultado foi extremamente positivo e apercebi-me de que aqui, as pessoas só precisam mesmo de uma oportunidade, para de facto, nos surpreenderem e nos maravilharem com as suas imensas capacidades.
Bem, espero não me ter alongado muito mas queria mesmo partilhar com vocês, um pouco, do que tenho vivido por aqui!
Um grande beijinho e muitas saudades,
teresinha

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Até designer já fui aqui...


Uma das festas de despedida da Clara

As boas vindas da amiga pazotas "Hoyo hoyo"

O centro social flori em Mahotas
1 dos rituais de boas vindas, a entrega da primeira capulana

Outro ritual de boas vindas
OS DIAS
Hoje escrevo-vos sobre os dias, todos os "dias" auspiciosos que aqui têm um sabor diferente. Um sabor de quem se apercebe que tem o coração quente por saber quem o preenche. A saudade é mesmo assim. Serve para nos lembrar das pessoas de quem gostamos e dar espaço para gostarmos de outras mais.
E aqui, também há tantas pessoas "gostáveis", que sabem cantar e dançar para nos fazerem sentir, que sabem falar para nos lembrar o quão bom é ouvir, que sabem fazer silêncio para podermos falar, que sabem lembrar para aprendermos a dar valor. Pessoas que nos ensinam a fazer chamuças e nos abrem a casa, as que nos contam uma história, as que nos dão o melhor que têm, que nos dão um abraço para que não tenhamos medo e nos demonstram que somos capazes, pessoas que nos dão a conhecer o mundo de uma perspectiva diferente e ainda assim lhe conferem sentido de humor. E depois, sobretudo, há as que simplesmente sabem amar para que não nos esqueçamos de "casa".
Os dias aqui, são sempre cheios, "cheios de muito", ora cheios por manteiga de amendoim ora cheios de humor e cumplicidade, ora cheios pelo conhecimento, ora cheios pelas pessoas, ora cheios por tantas outras coisas. Decidi confiar nos dias auspiciosos que a todas as horas se nos apresentam.
Por aqui tem-se vivido muitas festividades, foram os anos da paz, foram os anos de duas irmãs, foi a despedida da Clara, voluntária, que se vai embora amanhã e aqui as festas são ciganas, tem uma duração interminável, matam-se as melhores galinhas, oferecem-se coca-colas, preparam-se as vozes para os melhores cânticos com os melhores instrumentos, transborda-se de alegria e bebem-se as melhores palavras.
Ontem visitamos um projecto de uma ONG em Congolote, onde visitamos uma escola e um centro de saúde/maternidade que atende uma infinidade de gente e só tem uma enfermeira que acaba por também por ser médica, impressionante uma força digna de nos fazer acordar. Mas por outro lado, também me vou apercebendo que algumas ajudas, contributos, intenções baseiam-se um pouco no "dar o peixe mas não ensinar a pescar" e isso para além de ser extremamente perigoso pode ser irreversível, porque não forma, não educa,não implica as pessoas locais mas sim, cria dependências e há sempre quem lucre com isso. Mas por outro lado, assiste-se a gente que não baixa os braços, que não se deixa ficar e acima de tudo se preocupa verdadeiramente em combater a ignorância pelo interesse, a solução pelas opções e acima de tudo dar esperança ao desespero.
Entretanto no sábado, a pazotas fez anos, foi um fim de semana de muito arejo, boas conversas "com pessoas cheias de mundo"(diria a paz) , o que também sabe muitíssimo bem, posso vos até dizer que quase estivemos em Portugal.
Sinto-me bem neste sítio onde, de facto, se recebe muito mais do que aquilo que se dá! Experiência essa, que constantemente tenho com vocês.
Com muitas sa
udades vossas, um grande beijinho
Teresinha

quinta-feira, 10 de junho de 2010

BAIRRO DAS MAHOTAS
Só hoje é que acordei...
Nem vos sei explicar bem como tem sido o meu processo de adaptação, porque eu própria ainda não entendi, tem sido tanta coisa para assimilar que o meu filtro ainda não funciona com muito brio e portanto o coração está um pouco mais apertado.
Ora bem, farei por descrever um pouco o "alarido" que para aqui vai. Não haja dúvida que estas irmãs tem aqui um projecto fantástico, uma estrutura bem pensada e muito boa gente para dar a cara a tudo isto. Este projecto que se direciona fundamentalmente ás mulheres, aposta na formação a todos os níveis como resposta não só á envolvência/necessidades das pessoas de Mahotas, bem como de Moçambique em geral e porque não ao mundo inteiro.
Aparentemente, poderíamos dizer que o bairro de Mahotas não era mais que um amontoado ou de blocos de cimento ou de palhotas, para os menos afortunados, inundado de uma areia avermelhada, um cheiro a queimada(que é utilizado ou para queimar o lixo ou cozinhar), normalmente as pessoas que se vêm são crianças e mulheres, em geral as que mais trabalham e que asseguram a família, vivem essencialmente do pequeno comércio, mas no fundo acabam todas por vender a mesma coisa. As mulheres aqui andam todas com as capulanas, seja como saia, vestido, na cabeça, para transportar crianças, para ajudar no transporte da água, etc, uma infinidade criativa no uso destas. Os homens trabalham menos e muitas vezes encontram-se simplesmente sentados á frente das suas "casas", não foi o caso de hoje em que fomos, no âmbito do programa microcrédito que as irmãs têm aqui, ver como se faziam esteiras e por acaso era um homem que as fazia. Mas é uma sociedade que para além de ser muito machista é ainda em algumas coisas bastante primária.
Aparentemente, "á vista desarmada" o bairro de Mahotas viveria apenas desta descrição mas isso seria uma descrição muito pobre desta comunidade. Esta gente apesar de todas as carências são um exemplo e isso não é coisa fácil de admitir, foi uma lição de humildade, uma lição de que a pobreza não se vê apenas pelos "meticais" que se tem mas como podem mesmo existir outros vários tipos de pobreza, pobrezas/estados em que nós vivemos e experiementamos diaramente e nem sempre nos apercebemos disso. Aqui aprende-se mais do que se dá, aprende-se a ser simples, a falar só quando é pertinente e sempre com o coração. Aprende-se, que mesmo não tendo muito, se pode fazer imenso. Damo-nos conta da urgência destas aprendizagens mesmo quando elas já nos são familiares fora destes contextos e temos a possibilidade de conviver com os "melhores professores". Aqui não há como fugir desses ensinamentos porque estes, estão estampados na cara das pessoas e em tudo o que os envolve.
Já tive a primeira reunião com as irmãs acerca do trabalho que irei realizar por aqui, vou dar algum apoio aos adolescentes que desde novos encontram-se bastante vulneráveis, ajudar na criação de um "espaço" criativo e ajudar na informática e na biblioteca que aqui foi criada por uma das voluntárias. Depois conto-vos mais pormenorizadamente de como irão funcionar estas actividades pois eu própria ainda não sei bem.
Nestes dias que são situações ainda de integração, tenho andado a observar o trabalho que aqui está a ser feito, apresentar-me, dar-me a conhecer, embora as vezes tenha dificuldade mas vocês já me conhecem, e sobretudo tentar conhecer um pouco as pessoas com quem vou trabalhar, embora isso seja um trabalho complicado e que requer muita simplicidade.
Bem por hoje deixo-me de descrições e desabafos e fica a promessa de observações de cariz menos sóbrio e mais alegre e olhem que aqui não é dificil de encontrar isso. O jantar que tive hoje é prova disso, mas bem.... fica para uma próxima.

Um grande beijinho da vossa,
Térésinha(mana)